A GRANA EM FOCO – Remuneração e não-remuneração de atores.

16 09 2010

Falar de dinheiro na nossa cultura está geralmente ligado ao lado negro da ambição ou da desigualdade. Igrejas corruptas, política corrupta, ricos sonegadores, malandragem grande e pequena por toda parte pra garantir o lucro próprio. Para alguns que tem grana de sobra, existe até a culpa de se ter tanto enquanto outros quase nada tem. Pra outros, não ter e querer ter pode ser o passo inicial pra uma vida de comparação, insatisfação e preconceito ao tratar como duvidosa a origem de qualquer riqueza ou sucesso acima do que minha inveja considera desejável ao outro mais do que a mim mesmo.

Bom, analisar reações sociais, psicológicas e econômicas do ser humano com o dinheiro eu deixo para os especialistas. E o que dizer do glamour falso que se cria em torno da riqueza e dos luxos que os artistas podem conquistar?

Nos extremos do showbusiness, celebridades com competência artística ganham centenas de milhares pra serem exclusivas e artistas anônimos também competentes (sobre incompetência a gente teria que tratar em outro texto) trabalham de graça em troca de vale-coxinha e ou em troca da única personagem mais famosa e evocada que a própria fama nesse meio – a oportunidade.

E é no discurso inicial da oportunidade que o glamour desaparece e dá lugar à realidade, à mentalidade dos ambiciosos negociadores do showbusiness que solapa a relação profissional no tocante a um fundamento simples de qualquer proposta capitalista de negócio – trabalho versus salário. Se mais alguém tem que tocar no assunto… vamos lá.

Falando de artistas, trabalhar sem remuneração por amor à realização da sua arte chamo de PAIXÃO. Isso é bonito.
Trabalhar com amor pelo ofício da arte tendo remuneração pelo tempo dedicado, chamo DIGNIDADE. Isso é melhor e mais lindo ainda.

Entre paixão e dignidade, ou as duas coisas ao mesmo tempo, cabe a escolha pessoal de cada artista.

O problema é a realidade aqui no Brasil que afronta o ofício e o trabalhador das artes no que se refere à remuneração. Aqui, geralmente vende-se de cima para baixo, leia-se, de quem contrata para o contratado, a mentalidade que remuneração é o mesmo que premiação, gratificação. O que é uma falácia, uma mentira oportuna.

Remuneração é a troca financeira, justa, pela qual o remunerado adquire em moeda a capacidade de escolher o que comprar, pagar, adquirir, investir. Com essa remuneração, pagamos as contas, trocamos as roupas, comemos, ou nos premiamos com lazer. O discurso colonial tupiniquim que mistura as definições de remuneração com “favor”, “gratificação”e “reconhecimento” vem dessa mentalidade vertical e mercenária dos que também discursam amor, paixão, dedicação e abnegação pela arte, enquanto, no final, no fechar das cortinas, o verdadeiro e único aplauso se deve aos artistas, os únicos que de fato poderiam medir a PAIXÃO pela arte, porque esses sim realizam, concretizam e sustentam um espetáculo muitas vezes sem grana alguma, do início ao fim.

Essa PAIXÃO eu sei que muitos artistas valiosíssimos tem e doam generosamente pela arte, independentemente do retorno financeiro. Mas do ponto de vista da remuneração, falta proporcionar DIGNIDADE. E quanto a isso o que estão fazendo os produtores, os facilitadores do showbusines? Estão convencendo pelo velho discurso ou planejando o orçamento pra que seja possível assumir o compromisso de se remunerar atores como assumem o compromisso de pagar técnicos, locações, direitos autoriais e os salários dos executivos? Estão no teatro tentando convencer que apenas participação no lucro da bilheteria é uma gratificação ou uma punição pela capacidade do artista em pescar o bolso do público pelo palco e que isso é o mesmo que remuneração? Ou estão nos cinemas e nas casas noturnas justificando a não-remuneração do artista com o desculpas reais de alto custo de logística de produção e captação de recursos que se justificam por si, mas não legitimam o detrimento do valor e do preço do trabalho do ator, da banda, do técnico e do artista em geral? Ou será porque o discurso da PAIXÃO obviamente não cola tão bem na relação profissional com o fornecedor de alimento, cenografia e energia elétrica como cola no trabalho do ator ou músico? Aliás, diga-se de passagem, músicos, garçons e técnicos, nas relações profissionais, estão bem à frente dos atores pela garantia dos direitos de remuneração.

Lembrando que estou tratando aqui exclusivamente de remuneração, porque no quesito PAIXÃO pela arte, com todas as renúncias que ela envolve, a maior parte de generosos artistas constrói um caminho e luta pela própria DIGNIDADE sem precisar mendigar a ninguém, precisando apenas que aqueles que podem e devem, retribuam com remuneração justa ao trabalho que o artista dá em troca.

Espero não ter sido rude com ninguém nessa reflexão que me toma tempo, raciocínio e compromisso por relações mais justas no chamado “showbusiness”- se é que podemos chamar de business alguns shows que existiriam e existem mais pela pura beleza artística que os artistas emprestam do que pela capacidade do próprio business de exibir um raciocíno e uma atitude que se espera de qualquer business primário quanto à importância do artista como peça fundamental do negócio.

Simon Valadarez, ator e jornalista.